quarta-feira, 31 de maio de 2017

Há 15 anos, Senegal surpreendia a França e dava início a um mês de manhãs mágicas

senegal 2002
Quem acordou cedo naquele 31 de maio de 2002 e se sentou em frente da TV, ansioso, não se esquece. O dia que marcou o início da Copa do Mundo de 2002, a Copa que, de um jeito ou de outro, a gente vai acabar carregando para sempre. Pode não ter sido o Mundial mais técnico, o mais competitivo, o de melhores jogos. Mas foi, sim, um dos mais surpreendentes. Um dos mais nossos, com a conquista do Penta carregando todos os seus elementos mágicos. E, para quem é apaixonado por futebol, independentemente do patriotismo, tinha aquela febre de bola que nos fazia acordar ardendo em delírio todas as manhãs. Que, logo na primeira manhã, proporcionou uma partida histórica, com a vitória de Senegal sobre a favoritíssima França na abertura da competição.
Muita gente passaria as noites em claro naquele mês de junho. O relógio biológico já se adaptaria aos jogos às 3h30, às 6h e às 8h30 da manhã. Aquele pedacinho de maio no tabelão, todavia, oferecia um aperitivo. Para quem já tinha se acostumado a religiosamente acordar cedo em uma manhã de dezembro e ver o Mundial Interclubes (como era chamado de maneira mais corrente na época) sendo disputado no Japão, sabia que aquele ritual com os olhos um pouco pesados de sono quase sempre permeava os nossos sonhos. Parecia uma maneira diferente de ver futebol, com a tela da televisão refletindo o sol nascente raiando na janela. E era.
A França carregava um favoritismo imenso à Copa do Mundo. Vamos nos esquecer, por ora, um pouco dos desdobramentos e mergulhar nas sensações do passado. Não tinha quem se arriscasse contra os Bleus, assim como a Argentina era cercada por enormes expectativas. Além disso, quase todo brasileiro tinha aquela propensão levezinha à vingança. O nosso orgulho estava ferido desde 1998. E, nos quatro anos seguintes àqueles 3 a 0, os franceses só provavam que nada do que aconteceu no Stade de France era ao acaso. Até o Mundial da Coreia e do Japão reverter o quadro, colocando então o orgulho deles no chão. Mas, até aquela estreia, mesmo sem o lesionado Zidane, era um timaço indubitável. Que vinha para passar o trator.
Do outro lado, em tempos de informações mais escassas, por mais que a internet começasse a se popularizar, Senegal se colocava como um desafiante. Era um time de alguns bons jogadores já despontando no próprio futebol francês e que tinha sido vice-campeão da Copa Africana de Nações em fevereiro daquele ano. Além disso, sobrevivera em um grupo duro pelas Eliminatórias, que credenciara El-Hadji Diouf ao prêmio de melhor jogador africano de 2001. Para a imensa maioria, entretanto, não passava de uma seleção novata da África que, por enfrentar os nossos carrascos franceses, merecia a simpatia. Uma aposta que se cumpriu certeira, e que iniciou aquela sequência de manhãs deliciosas há 15 anos, tão colorida quanto os detalhes na camisa dos Leões de Teranga.
Do lado da França, uma série de nomes que já nos eram familiares, quase todos decisivos no título mundial de 1998: Barthez, Thuram, Desailly, Lebouef e Lizarazu; Vieira, Petit e Djorkaeff; Wiltord, Trezeguet e Henry. Já entre os senegaleses, outros nomes nomes que se impregnariam na nossa mente em pouco tempo: Tony Sylva, Coly, Diatta, Malick Diop, Daf; Aliou Cissé, Moussa N’Diaye, Papa Bouba Diop, Salif Diao, Fadiga; Diouf. No banco, Roger Lemerre seria desafiado por um rapaz de ar jovial e um cabelo desgrenhado, Bruno Metsu. Sem querer adiantar a história, mas já adiantando, levando um nó dele.
Afinal, a França foi efetiva naquele encontro em Seul. Bem diferente de Senegal, um time que não dependia do renome para se fazer eficiente. Os Leões de Teranga mostravam um nível excelente em diferentes aspectos: eram bem montados taticamente, possuíam força física e combinavam isso à qualidade técnica. Diouf infernizou a defesa francesa, como já tinha feito costumeiramente por seu Lens, vice-campeão da Ligue 1. O meio-campo era composto por leões, especialmente Fadiga e Bouba Diop. E, na defesa, muita consistência, com o resguardo do bom Tony Sylva. Zidane fazia falta do outro lado? Claro que sim. Mas a vitória por 1 a 0 veio muito mais por méritos dos senegaleses, sem nenhuma substituição durante os 90 minutos intensos, naquela manhã que invadiu nossas memórias.
Afinal, aquele não foi um jogo tão ruim dos franceses. Simplesmente a bola não entrou. Quando o placar ainda estava zerado e os Bleus tentavam se aproximar do gol, David Trezeguet acertou a trave. Já na segunda etapa, diante da pressão intensa, os campeões do mundo pararam nas boas defesas de Tony Sylva e em mais uma bola no travessão, desta vez com o Henry. Não que os paus jogassem contra a França. Afinal, também no segundo tempo, negaram o segundo gol aos senegaleses, em bomba de Fadiga que explodiu no travessão. Era um time perigosíssimo nos contra-ataques, como provaria outras vezes naquela Copa.
O momento eterno, no fim das contas, aconteceu aos 30 minutos da primeira etapa. Uma arrancada imparável de Diouf até a linha de fundo, em atuação inspiradíssima do camisa 11. Um lance no qual Petit e Barthez se enroscaram com a bola. E ela pediu ali, livre na pequena área, para ser completada por Papa Bouba Diop. Sentado, o meio-campista decretou a vitória. Uma das vitórias mais marcantes das aberturas de Copas do Mundo. Uma das melhores campanhas de seleções africanas. Que, de certa maneira, representou a herança de Camarões na comemoração. Todos correram para a bandeirinha de escanteio de Roger Milla. Dançaram, agora, ao redor da camisa 19 de Diop jogada ao chão. Uma cena marcante.
O resultado, por fim, traria grandes significados. Era um triunfo da colônia sobre a metrópole, ainda de laços tão íntimos no futebol. Era a afirmação de uma surpresa que talvez até pudesse ter ido mais longe naquela Copa. Era a derrocada de um esquadrão, como não demoraria a se confirmar nas rodadas seguintes. Sobretudo, naquilo que importa a cada um de nós que viveu o Mundial da Coreia e do Japão, era o início de um mês fascinante – de imagens, sons, cheiros, luzes e cores que voltam facilmente à cabeça com um pouco de esforço. Era só o início.

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